Um Mergulho Simbólico na Dor
- Marcelo Henrique

- 6 de nov.
- 2 min de leitura
O curta-metragem Ticar Bodó, dirigido por Luís Fernandes, é uma produção que não mede esforços para apresentar as belezas naturais do Amazonas. A obra acompanha um personagem que carrega um trauma familiar, apresentado por uma narração em voz off e imagens sobrepostas que evocam um acontecimento passado. Em certa manhã, o protagonista sai para caçar na floresta e, mal sucedido, dirige-se a um rio para pescar. Ao fisgar um bodó, ele se vê confrontado por uma memória que desesperadamente gostaria de afogar.
O filme apresenta planos bem explorados e uma decupagem cuidadosa. Planos gerais evocam a beleza da mata e, ao mesmo tempo, acompanham a narrativa, enquanto planos médios e primeiros planos nos imergem no subconsciente do personagem. A cena em que vemos um plano plongée (visto de cima) do protagonista sozinho sobre as águas diz muito sobre seu estado de espírito. A obra também se mostra eficiente ao marcar a passagem do tempo — uma elipse temporal — através das garrafas de cachaça consumidas, o que nos revela que seu alcoolismo é uma clara tentativa de anestesiar o trauma.
Na perspectiva sonora, o canto dos pássaros e o farfalhar das árvores reforçam o isolamento bucólico do personagem. A trilha sonora é, de fato, um dos pontos fortes do filme, tornando-se mais imersiva a partir da sequência em que ele encontra o rio e aquilo que trará seu sentimento reprimido à tona: o peixe bodó. O animal carrega consigo muito mais que uma mera representação; ele estampa as origens culturais de uma região, consolidando para o espectador o "onde" essa história se passa.
Contudo, o problema central de Ticar Bodó reside em sua dependência excessiva da sugestão, uma escolha que se estende até sua conclusão. O roteiro evita imagens concretas do trauma, o que, embora crie uma atmosfera de mistério, enfraquece o impacto emocional da jornada.
No desfecho, o filme apresenta uma resolução simbólica: o personagem entra no rio ao chamado da irmã, num suposto ato de aceitação. Essa cena, porém, funciona apenas como mais uma sugestão, e não como uma conclusão satisfatória. Sem entendermos a dimensão real da tragédia, esse abraço nas águas parece vazio — uma imagem bonita que não carrega o peso dramático necessário. O filme termina como começou: sugerindo um sentimento profundo, mas sem nunca nos permitir tocá-lo de verdade.
A obra, em sua totalidade, funciona e conta uma história. Com uma fotografia bem trabalhada, um desenho de som imersivo e uma notável profundidade simbólica, o trabalho do diretor Luís Fernandes e sua equipe em transformar palavras em um curta-metragem é admirável, ainda mais levando em conta as dificuldades de se produzir um filme universitário. Ticar Bodó se afirma como um exemplar promissor do cinema amazonense, que sabe usar sua identidade para criar um terror psicológico autêntico. No entanto, ao apostar tudo na sugestão, a obra deixa pelo caminho a força de um drama mais palpável, resultando em uma experiência mais psicológica do que emocional. É um filme tecnicamente bem trabalhado, mas que mantém o espectador a uma distância segura de sua própria dor.



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