A cidade tem alma
- Wilgner Nascimento

- 10 de nov.
- 2 min de leitura
Traga Novidade, de Irion Martins, inicia contando a história do Monte Carmelo, em Carmópolis, Sergipe. Fala-nos de sua universalidade, mas também de sua relatividade — de como ele pertence a qualquer lugar e a lugar nenhum. O Monte Carmelo em Israel foi o cenário onde o profeta Elias orou de joelhos para que a seca que assolava a região terminasse; já o Monte Carmelo de Carmópolis, é o petróleo e sua extração que tiram o sono dos cidadãos da pequena cidade.
Transitando entre diferentes moradores e suas respectivas relações com o município, Traga Novidade nos convida a encarar uma realidade dura para quem habita a região: a abundância do petróleo, sua exploração e os impactos diretos na qualidade de vida da população. “Minha cidade tem alma”, diz uma das entrevistadas — uma senhora que nos conta como Carmópolis às vezes desperta barulhenta, mas em outras perde a força e se envenena com o ar que respira, numa alusão ao cheiro forte do petróleo sendo extraído, que atinge seu ápice ao meio-dia.
O curta é bem conduzido quando o assunto são seus entrevistados e a forma como seus depoimentos se entrelaçam às questões do município e à extração de petróleo. Há uma linha de raciocínio coesa e bem explorada por Martins, que revela o impacto negativo da indústria petroleira na economia local — algo que contraria as expectativas em torno de uma “cidade do petróleo” — e na qualidade de vida dos habitantes de Carmópolis.
Montagem e trilha sonora também tem um papel fundamental na obra. A trilha aparece em momentos de pesar, melancolia ou esperança — às vezes todos esses ao mesmo tempo. É algo primoroso, que nos coloca cara a cara com as necessidades, anseios e medos dos cidadãos do município. A montagem é dinâmica e estabelece um ritmo bom ao curta, casando-se muito bem com sua trilha e narração.
Em boa forma no aspecto técnico. Tematicamente relevante e explorado de forma incisiva e ao mesmo tempo sensível, Traga Novidade nos prende do começo ao fim no drama desses personagens, suas lutas diárias e na relação dos mesmo com Carmópolis — a cidade em si um personagem cheio de camadas e como dito anteriormente, com alma. Um exemplo do que o cinema documental independente pode oferecer.



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