Cartas de Arapuca investiga os espaços disponíveis ao alcance da direção de Paulo Pontes. Ao longo dos seus aproximados 13 minutos de duração o filme constrói e desconstrói dispositivos cinematográficos como forma de explorar as imagens possíveis que a cidade de Conde disponibiliza enquanto palco de uma feitura fílmica.
Particularmente, enquanto acompanhava a sessão e percebia ao filme, eu perdia e retomava o interesse conforme a obra variava seu foco, saindo de uma abordagem entre questões geográficas e políticas mais próprias, para uma relação mais sensorial da disposição dos planos.
O filme se organiza a partir de um jogo de montagem e troca de imagens muito particular. Logo no início já entramos em contato com uma tela dupla. Duas imagens, uma ao lado da outra, não como em uma tela dividida, mas de fato dois planos que ocupam espaços diferentes ao mesmo tempo. O filme faz um aceno pras artes plásticas flertando com a vídeo instalação e já começa a se consolidar de maneira bem curiosa como um dos filmes mais radicais que eu vi no Desver esse ano.
O problema para mim está justamente na dimensão política mais objetiva do curta-metragem. Em determinados momentos Paulo Pontes, trás ao filme alguns trechos de cartas e os textos passam a dividir as telas com as imagens. O uso das cartelas é arbitrário e, de alguma forma que eu não sei explicar, me soa uma escolha ainda mais abrupta e destoante do que as múltiplas telas que o filme articula.
No fundo, acredito que o desestímulo para com os textos sejam originados da impossibilidade de uma conexão mais profunda com eles. Os fragmentos soam parte extremamente íntima daquele micro-cosmos cinematográfico e raramente dialogam comigo na medida em que discutem relações históricas daquela cidade que, se não fosse pelo filme, eu dificilmente conheceria.
A inegável distância para com o universo do filme acaba por diminuir suas potências, pois não se comunica bem quando assume uma frontalidade como essa das cartas. É tão direto que não permite desvios e, assim como cartas extraviadas pelo correio, o filme me parece se perder quando seu discurso procura um destinatário em particular que não sou eu. Talvez o filme não tenha sido destinado a mim. E isso também faz parte do processo político que a obra assume para si mesmo.
Contudo, não é por não me relacionar bem com essa dimensão mais frontal do discurso fílmico que Cartas de Arapuca não possa funcionar comigo em outros sentidos. Esse lado mais pictórico da imagem e a forma como a direção de fato articula dispositivos de encenação não convencionais é muito interessante e divertido, para além é claro do encontro que o curta nos permite ter com alguns planos admiráveis.
O caranguejo na beira da praia, ou as formigas que perambulam pela terra são algumas das imagens mais singelas e potentes dessa edição do Desver. E a forma como o filme trabalha com múltiplas imagens ao mesmo tempo me obriga a ocupar o intrigante lugar de espectador ativo. Temos que escolher o que ver já que não é possível acompanhar dois planos ao mesmo tempo.
Às vezes o filme nos convida a ver essas imagens como complementares. Em outros momentos cada uma funciona por si só e disputam na tela a minha atenção. Que forma rica de se consumir cinema! Talvez um reflexo das novas mídias e da necessidade de vários estímulos, mas duvido muito. É quase como se aqueles espaços retratados obrigassem a obra a respeitar essa constante disputa geográfica.
É divertido acompanhar Cartas de Arapuca quando a obra se atenta justamente às suas possibilidades mais inventivas de encenação. Quando o fazer cinema parece mais um jogo de experimentação e uma procura por novas formas do que qualquer outro exercício mais didático de mise-èn-scène.
Se não fosse pela incomunicabilidade com as cartelas, definitivamente poderia ser um dos filmes mais divertidos de se assistir dessa edição.
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