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DESVER

FESTIVAL DE CINEMA 

UNIVERSITÁRIO

DE MATO GROSSO DO SUL

Foto do escritorGabriel Reis

Assinaturas urbanas: o pixo fora dos grandes centros urbanos

Tendo minha vida inteira crescido alternando entre os arranha-céus de São Paulo e as pequenas casas e comércios do interior paulistano, algo sempre me chamou a atenção: As expressões artísticas tão diferentes, mas ao mesmo tempo com tantas similaridades entre a capital e uma cidade com 60 mil habitantes. Me surpreendia como o pixo era algo que existia (claro que em diferentes proporções) em cidades tão completamente diferentes em tantos âmbitos, logo quando tive a oportunidade de escrever uma crítica sobre Rabisco, curta documentário produzido em uma cidade tão perto de onde eu cresci, me vi novamente intrigado com aquelas questões que me acompanharam durante a adolescência.

O curta acompanha o protagonista/narrador durante sua busca na cidade de Bauru pelo autor de uma pichação no alto de um prédio. Durante sua jornada ele interage com diversos “personagens” que podemos encontrar em uma cidade como aquela. Já assim de cara, estabelecendo uma certa atmosfera que fez, mesmo que de forma breve, me sentir novamente como um morador do interior paulista. Achei muito interessante a forma na qual eles abordaram tanto pessoas que tem e não tem relação com a estética do pixo. Ao contar histórias com contextos diferentes, porém com um paralelo entre suas vidas e motivações, o curta consegue além de enriquecer sua narrativa também estabelecer um cenário mais factível da cidade de Bauru. E tudo isso se inicia quando conhecemos o guitarrista Celso.

Celso se relaciona diretamente com o tópico em discussão quando conversamos sobre pixo, suas causas e consequências. O Bauruense que já aparenta ter uma idade relativamente elevada passa seus dias alegremente tocando sua guitarra imaginária pelo centro da cidade e, como muitas pessoas, é ignorado por boa parte daqueles que transitam pelo local durante todo o dia. Logo após a apresentação da história de Celso, o curta entrevista um pixador que esmiúça pela primeira vez as motivações por trás dos infames desenhos e mensagens. Durante sua entrevista ele fala sobre o sentimento de se sentir invisível enquanto sofre na periferia da cidade e como somente é notado por aquelas pessoas do centro quando “vandaliza” suas propriedades. Achei um grande acerto da montagem posicionar essa entrevista logo após a de Celso como uma forma de diretamente relacionar a história de ambos tendo um denominador em comum, o sentimento de invisibilidade.

Acredito que o recurso linguístico que mais chama a atenção no filme é a maneira na qual ele combina a simplicidade da câmera na mão com uma montagem bem rebuscada e até mesmo surpreendente. O uso de efeitos visuais (produzidos inclusive pelo próprio diretor) é muito bem utilizada em momentos como a sensacional sequência de introdução, que combina efeitos de spray de tinta passando pela tela, imagens se deteriorando e uma ótima escolha de música na Decorar minha city do grupo de rap independente Dilema. Me chamou a atenção também o uso dos efeitos durante a sequência na qual o narrador fala sobre uma iniciativa da prefeita de Bauru para “lutar” contra a pixação. Dessa forma os contrastes apresentados por essa decupagem “simples” e a primazia com qual certas sequências são conduzidas na pós produção me fizeram sentir uma aproximação da linguagem do curta com algo que poderia ser visto em um vídeo de Youtube sobre o tema.

Durante uma conversa sobre o documentário com um amigo, mencionei essa minha impressão, e ele levantou um questionamento me perguntando se esse fato diminuía o filme de alguma forma. Após alguns dias pensando sobre, posso com muita confiança dizer que não, acrescentando ainda que tal escolha linguística somente enriquece a obra. Ao optar por produzir um curta metragem com uma linguagem mais atual e específica de um certo grupo, principalmente em sua montagem, o documentário consegue quebrar certas barreiras pré-concebidas sobre o formato documental do cinema, como uma concepção de lentidão, e assim se relacionar com o tema debatido não só em narrativa como também em forma.

Outro artifício utilizado no curta de forma consistente e que me chamou atenção é a trilha sonora composta primariamente de um jazz alegre que acompanha o espectador durante as cenas em que a câmera atravessa a cidade de Bauru. Achei uma interessante escolha de estilo, especialmente considerando o tema que está sendo debatido. Algum diretor com menos originalidade provavelmente teria escolhido, por conta da proximidade com o tema, uma trilha sonora somente de estilos mais ligados ao Hip Hop, e enquanto há a presença do Hip Hop no documentário, o diretor escolhe momentos mais interessantes para utilizá-lo, como na já mencionada sequência de apresentação do curta. Isso faz com que os segmentos nos quais a câmera passeia pela cidade de Bauru se tornem mais agradáveis de se acompanhar, até de certa forma acentuando o clima de “Springfield” brasileira estabelecido logo no início do documentário.

Assistindo o documentário, consegue reconhecer muito do que via enquanto crescia e me diverti com os personagens e histórias da “Springfield” brasileira, porém o curta consegue retomar muito bem a seriedade e terminar em uma nota alta fazendo um inteligente questionamento envolvendo um muro em branco. Em um geral, Rabisco é um documentário que discute temas sensíveis e cada vez mais pertinentes em uma sociedade que continua a ficar gradativamente mais desigual. Assim fazendo um importante papel de dar o palco e atenção para vozes que normalmente só conseguem se expressar e serem notadas através de práticas pouco convencionais, como tocar uma guitarra imaginária no centro comercial da cidade, ou atividades muito perigosas, como pixar ACUSADOS no topo de um enorme prédio. Compensa muito bem a falta de orçamento (comum para produções independentes) com uma narrativa instigante, uma direção de fotografia simples, porém eficaz e uma edição sublime.

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