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DESVER

FESTIVAL DE CINEMA 

UNIVERSITÁRIO

DE MATO GROSSO DO SUL

  • Foto do escritorPaulo Henrique

CEP: Cultura artística e desigualdade social

CEP ou código de endereçamento postal é uma forma de identificação e localização criada pela Empresa Brasileira de Correios para uma maior facilidade no redirecionamento de encomendas para ruas ou bairros que agora são substituídos no sistema por simples nove números. Contudo, esse padrão numérico é subvertido ao conhecermos o filme documental de Filipe Nunes: CEP:ITD, que apresenta a situação da comunidade e a convivência na região chamada ITD, a qual possui esse nome por conta da ocupação feita por essa comunidade em uma antiga sede da Transportadora ITD já desativada. É com essa criativa e interessante subversão no título da obra que somos convidados a ver um pouco das relações sociais e vivência dos moradores em meio àquela localidade, além da forte cena cultural musical da região usada como forma de expressão e resistência dos moradores. De início, temos o primeiro contato com apenas um rosto compondo todo o quadro, mas que logo após se revela não ser o único. A câmera se afasta mostrando inúmeros outros rostos que formam na tela uma espécie de mosaico, alguns compostos de primeiro plano, outros com plano detalhe de partes do corpo, como a boca ou os olhos. A escolha dos planos utilizados nessa sequência nos ajuda - mesmo que superficialmente - conhecer os moradores da comunidade. Uma vez que o primeiro plano é utilizado no cinema para uma maior aproximação do público com os personagens. Desde a primeira vez que assisti ao filme, por muito tempo, pensei sobre o que me lembrava a composição desse mosaico, e apenas agora, em uma segunda edição dessa crítica, veio em minha mente a resposta. O mosaico do início me remete a pintura “Operários” de Tarsila do Amaral, que exibe em sua tela a imagem de diversos operários, os quais dizem muito apenas pelas suas expressões faciais, assim como os rostos dos moradores do ITD que compõem o mosaico no filme.

A sequência inicial, faz o uso de uma composição sonora muito bagunçada, visto que sobrepõe muitos efeitos sonoros ao mesmo tempo. Os efeitos utilizados na composição são do ramo musical, como ad-libs, backing vocals e producer tags, além de fragmentos de outras músicas. O que me chama atenção nessa composição é justamente a bagunça que a compõe. Para mim, toda esta confusão representa um grito contido daquela comunidade com tão pouca visibilidade, que agora adquire com o filme. Como dito anteriormente, a composição sonora feita com efeitos do ramo musical se justifica ao assistirmos o filme, posto que ele aborda um pouco do cenário musical da comunidade. Por mais que eu tenha gostado da escolha de explorar o cenário musical da região, me incomoda o fato de não terem explorado outros nichos artísticos. Apesar de ter vivido uma realidade diferente, me identifiquei com a fraternidade dos moradores retratada no filme, pois cresci em uma cidade do interior, onde todos fazem parte de uma enorme comunidade. Esta identificação me ocorre pelo comportamento dos habitantes diante das câmeras. Como exemplo, uma das anfitriãs chamada no filme de “Carol da ITD”, que nos conta e apresenta um pouco mais sobre a história do local. Essa forma de se chamar, “do/da ITD”, é facilmente traduzida para outras comunidades como como "filho de fulano" ou "ciclano, dono de tal loja". Essa forma de identificação ocorria com frequência comigo, uma vez que morava em uma cidade onde todos se conheciam. Confesso que esse tipo de produção audiovisual me acende a vontade de produzir conteúdos sobre minha cidade natal, que, por mais pacata que seja, tem muita coisa a ser explorada. Assim como o artista local “Menor RN”, que aparece no filme produzindo clipes exaltando a sua região, buscando representá-la.

Em um dos momentos do filme, onde o assunto do saneamento básico é discutido, a “Carol da ITD” comenta sobre a comunidade ser deficiente porque o país é deficiente. Em uma rápida pesquisa descobri que, pelas regiões do Brasil, cerca de 100 milhões de pessoas não têm acesso a uma rede de esgoto. Regiões que a ITD deve fazer parte, mas que não consigo afirmar porque no documentário não especifica a localidade. Por falta de mostrar a região da comunidade, a obra não ajuda na questão de tornar aquela população mais visível no mapa. Por mais que o filme dê voz a população, quando ele me atiça a procurar mais pela região não a encontro, justamente por não saber onde ela se localiza. Além desse problema, senti a falta de uma exploração naquilo que diz respeito à vivência dos moradores em meio àquela localidade. Dado que não explora profundamente as relações sociais ou seus espaços físicos. Escolhas que, se fossem feitas, trariam uma maior proximidade e aprofundamento à realidade social daquela comunidade. Conclui-se que o filme documental dirigido por Filipe Nunes, nos entrega o que foi prometido e proposto. Mas, que me deixou incomodado por não ter explorado outras linhas artísticas ou até mesmo demonstrado mais sobre a região. Claro que sendo uma obra feita por universitários, essa missão torna-se um desafio, uma vez que a questão orçamentária dificulta uma pesquisa mais profunda. A decisão de escolher uma população excluída para um filme documental é uma missão muito nobre, visto que ajuda na questão de ter uma melhor visibilidade para os problemas enfrentados por ela.


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