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DESVER

FESTIVAL DE CINEMA 

UNIVERSITÁRIO

DE MATO GROSSO DO SUL

  • Foto do escritorKenneth Lima

Pessoas, caranguejos e mudanças

O que é carcinização? O primeiro questionamento que fiz ao me deparar com o título desta animação foi este. Por curiosidade, fui pesquisar antes de assistir, mas nem haveria necessidade, pois a própria obra se propõe a elucidar esse conceito. Trata-se do processo evolutivo de se tornar um caranguejo. Alguém pode se perguntar: será isso uma metáfora? Ou realmente trata-se do sentido denotativo de evoluir para esse animalzinho? Evoluir. De fato, evolução e mudança são duas coisas muito correlacionadas e é justamente essa a temática desse curta. Cada um dos personagens tem o desejo de mudar algo em suas vidas: Liz quer mudar o estilo de música, Mari quer trancar a faculdade e P1 quer realmente virar um caranguejo.

Carcinização trata-se de um curta esteticamente muito bonito. O caráter lúdico das cenas apresentadas, com personagens que conseguem se deformar, distorcer seus corpos e alternar sua presença tanto no mundo real quanto no mundo imaginário, em associação com uma trilha sonora chamativa que me cativa, e a constante presença de elementos vibrantes e coloridos na obra, dizem muito sobre o seu conteúdo. A ideia de mudança pressupõe o movimento, as cores e a imaginação. Pra mim, uma realidade que não muda seria vazia, monocromática e sem vida e, sendo assim, é possível perceber como o filme apresenta uma boa contraposição a essa ideia através dos elementos técnicos.

Os diálogos também são muito significativos. O momento em que a personagem Liz comenta sobre fazer uma música diferente das que geralmente toca é um bom exemplo: ela afirma que não estava curtindo suas músicas e entendeu que elas faziam sentido com quem ela era, não com quem é agora. Acho muito interessante o fato de ter assistido esse curta logo em uma semana em que tenho ouvido bastante a música Metamorfose Ambulante, do Raul Seixas, que fala: “Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo.” De fato, estamos em constante transformação, uma verdadeira metamorfose. Não haveria graça se permanecêssemos sempre os mesmos.

No entanto, mudar não é tão fácil na prática como é na teoria e o filme me faz pensar a respeito disso também. Quando P1 pergunta à Mari sobre a faculdade, mesmo conversando com o amigo, ela fica sozinha no plano, o que me induz a olhar para sua expressão rápida de receio, demonstrada por ela arregalando os olhos e cerrando os lábios e, logo após, ela fala que vai trancar o curso. E então, vem o questionamento do amigo do porquê de sua decisão, tendo em vista ela já estar perto do final. Essa situação demonstra como muitas vezes as pessoas têm receio de contar sobre o que pretendem mudar ou, pior ainda, de efetivamente mudar algo em suas vidas justamente em razão do que os outros possam pensar ou falar. Uma reflexão a respeito disso não poderia ter sido suscitada se não houvesse um cuidado criativo na hora de animar a cena e, por isso, eu sempre considero esse tipo de artifício essencial no enriquecimento da narrativa.

E, enfim, é muito oportuno comentar sobre o desejo de P1 de querer se tornar um caranguejo. Por sinal, é sobre ele que eu pensei em mais considerações a tecer, a começar pelo fato de ele ter tido essa ideia porque seu encontro com um caranguejo foi lindo e, logo depois, ele descobriu que outra pessoa (César) havia carcinizado. Pra mim, esse fato é muito interessante pois me leva a pensar sobre como muitas vezes somos influenciados por alguém a tomar alguma decisão, seja isso uma coisa boa ou ruim. Você pode se espelhar em alguém que faz algo bom e decidir que tal coisa também será boa para você, porém, pode também se deixar levar pelas atitudes dos outros e copiá-los, buscando alguma coisa que não necessariamente lhe agrada.

De qualquer forma, o mais curioso pra mim é o fato do animal escolhido ter sido um caranguejo. Isso porque o caranguejo é universalmente conhecido por andar na maior parte do tempo para os lados e não para a frente. Fazendo uma breve pesquisa, eu descobri que eles conseguem se mover em qualquer direção, mas escolhem geralmente ir para os lados. E esse fato me fez pensar sobre a temática de mudança. Isso porque mudar infere em basicamente seguir um caminho diferente do usual, ou seja, não andar para a frente, mas para os lados ou talvez até para trás. Se alguém estiver seguindo sua vida no “piloto automático”, sempre estará indo em frente, sem pensar sobre caminhos alternativos, diferentes escolhas e opções. Não há brechas para questionamentos e mudanças de rota. Talvez devamos ser mais como os caranguejos. Não escolhermos a rota mais óbvia, nos perguntarmos se devemos realmente estar seguindo apenas em frente.

O curta termina com Liz mostrando sua música nova, Mari dizendo que trancou a faculdade, mas não conseguindo se tornar programadora como queria e P1 não se tornando um caranguejo. Isso quer dizer que só Liz alcançou a mudança? Na minha opinião, não. Mari conseguiu trancar a faculdade e P1 fez uma tatuagem de caranguejo. Isso por si só já não configura mudanças? Mari terá todo um leque de oportunidades para a sua vida daqui pra frente, enquanto P1 terá para sempre marcado em seu corpo um ideal, um símbolo de mudança, a sua tentativa de ir em busca de algo diferente. Pra mim, isso pode ser visto como uma simbologia de como nossas escolhas ficam marcadas em nós. Mesmo que nossos planos iniciais não deem certo, estaremos sempre nos lembrando do sentimento de buscarmos algo novo. E que isso possa estar sempre servindo de direção para que nós, tal como os caranguejos, andemos para todos os lados, exploremos as possibilidades e não nos limitemos ao piloto automático nas nossas vidas.

Para concluir, acho interessante dizer que a última cena mostrada é César, aquele que se tornou um caranguejo, atuando como programador. Engraçado. Mesmo sofrendo uma metamorfose, ele continuou fazendo o que qualquer humano poderia fazer. A questão não é evoluir para um ser diferente para que encontremos o caminho a seguir. Mas que não nos limitemos à ideia de mudança como um simples ideal e sim que efetivamente estejamos dispostos a ir em busca do que desejamos.

Enfim, considero a possibilidade de pensar e refletir a partir do contato com uma obra um dos melhores encantos dos filmes e, sem dúvidas, “Carcinização” me proporcionou todas essas reflexões que fico feliz de ter vivenciado.

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