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DESVER

FESTIVAL DE CINEMA 

UNIVERSITÁRIO

DE MATO GROSSO DO SUL

  • Foto do escritorFelipe Feitosa

Moral da história

Parte difícil de escrever dentro do contexto do Desver é compreender que falamos de universitários para universitários. Depois de ver alguns filmes nas sessões eu sempre acabo me perguntando qual o meu papel enquanto crítico. Definitivamente existe uma mistura curiosa entre o olhar complacente com projetos de realizadores que se encontram em situação semelhante à minha e a dificuldade de contornar o sentimento de desagrado que algumas obras podem vir a causar. Escrever sobre curtas universitários é sempre um dilema moral maior e mais instigante do que simplesmente criticar o último blockbuster hollywoodiano da semana.

É ainda mais complexo lidar com a função mesquinha de redigir um texto crítico argumentando a respeito de um filme que não faz nada de errado na medida em que se assume como um exercício, mas que, conforme se insere num festival, passa a ocupar um lugar diferente do de sua origem e, então, se submete à possibilidade de ser avaliado. Antes mesmo de começar a teclar, eu passei alguns bons momentos me perguntando como abordaria minha relação com a animação em stop-motion pernambucana Central Tocaia.

Chega de mediações. No curta, dirigido por Thiago Pombo, um casal homossexual caminha pela noite. Despreocupados, os dois jovens apaixonados se separam e de repente começam a enfrentar um figurão mal encarado que se transforma em um feroz lobisomem. Tudo isso ao longo de dois minutos de exibição. O tempo não é problema visto que a trama se desenrola rapidamente, apresentando elementos de maneira pragmática e aplicando as viradas de roteiro num ritmo muito ligeiro e funcional. Contudo, a obra me parece sintetizar na sua curta extensão de tempo a impressão de que vejo um produto afobado.

No geral tudo parece mal polido e finalizado às pressas. A experiência, em sua dimensão mais objetiva, não funciona por problemas técnicos que se sucedem constantemente. Os recortes de papel desenhados a mão que são a base da animação não funcionam muito bem conforme seus movimentos se revelam travados e engasgados. O mesmo acontece com a trilha sonora do filme que, através de cortes estranhos na faixa sonora e uma mixagem amadora, acaba atrapalhando ainda mais a fluidez da narrativa. Conforme tenta dar o tom dramático das situações – por meio de uma sonoplastia acentuada e músicas de suspense – o som contrasta com o minimalismo que envolve a construção visual e incômoda na medida em que não se aceita como simples. No fim das contas, sinto que a obra acaba se encontrando num lugar mal-acabado.

Da mesma forma que o stop motion transmite na natureza da própria encenação a dimensão artesanal do projeto, as características grosseiras do uso de linguagem causam a mim uma impressão de imagem rústica que não se adequa bem ao filme. A decupagem que varia entre alguns poucos planos encontra nas escolhas de enquadramento uma dimensão muito funcional. Planos gerais que em dois momentos se sucedem para planos mais fechados: o detalhe das mãos do casal e o plano médio do lobisomem rosnando, que apela à frontalidade do horror.

Se eu fosse me ater aos conceitos e como a obra trabalha com códigos simples para atingir objetivos primários acabaria meu texto apenas em elogios. O diretor, que também é o animador, não precisa de muito para nos fazer empatizar com os personagens. Trabalha de maneira franca com alguns elementos e rapidamente nos faz adotar um lado dentro da trama. O detalhe da mão para nos aproximar do casal e a inexpressividade vocal do antagonista que, mesmo antes de ser um lobo, já se comunica com grunhidos nos guiam a assumir quem são os protagonistas e o antagonista.

Ainda poderia falar de como os heróis usam máscaras de proteção respiratória e o vilão não. Elemento que assim como a questão do casal LGBTQIA+ apela ao extra-fílmico, de maneira positiva, para desenvolver mais as relações dramáticas internas do curta. E, por mais que a relação entre o monstro e a homofobia seja das metáforas mais banais possíveis, tendo sempre a achar que o terror funciona melhor na sua dimensão apelativa.

Contudo, apreciar essas escolhas do filme não me impede de ficar desgostoso com a dimensão rugosa que envolve o polimento da obra. Não é sobre a busca pela articulação perfeita da gramática audiovisual, mas sim sobre a experiência incontornável de que um filme que goza de mal acabamento funciona menos pra mim. De novo, não é sobre erudição, mas sim sobre um indelicadeza não calculada que a própria imagem do curta transmite. E não é como se tudo isso não fosse justificado pela cartela final que exibe alguns dizeres antes da tela escurecer. “Curta-metragem realizado como trabalho final da disciplina Oficina de animação em stop motion do curso de cinema e audiovisual da Universidade Federal de Pernambuco”.

É desse dilema moral que eu falava anteriormente. Seria um exercício disciplinar um filme? Não vou me dar o direito a responder, até porque as possibilidade são múltiplas. É mais provável que o próprio exercício e o seu percurso para além de sua função primária respondam a essa pergunta. É o caso de Central Tocaia. Enquanto uma obra que sai da UFPE e chega à UFMS para integrar uma mostra competitiva, é definitivamente um filme. Mas talvez, quando colocado lado a lado com outras obras que também participam da mesma seção, ele acabe se destacando negativamente e volte a se comportar como exercício.

Para além do desnecessário papo filosófico sobre a diferença entre exercício e filme, gostaria de voltar os olhares para o real problema que me leva àquele dilema moral: a discrepância entre os curtas, e um sentimento ruim para com as organizações das sessões. Se um filme realizado como exercício disciplinar ocupa, na mostra competitiva, o mesmo espaço que um trabalho de conclusão de curso e um filme realizado por um mestrando, revelam-se a mim prováveis contradições presentes numa possível abordagem metodológica ruim.

Sem atribuir erros e atacar companheiros de curso, mas acompanhando o Desver, as vezes sinto que os filmes não coexistem bem. Se a mim cabe a sensibilidade de olhar cada filme de maneira única e de acordo com sua proposta quando me coloco a redigir um texto, cabe à curadoria construir um universo coerente em que os filmes convivam de maneira saudável e se potencializem ao invés de brigarem entre si. Pode ser, nesse caso, também uma contradição minha. Até porque o adjetivo que nomeia a mostra é “competitiva”, né. Ainda assim, acredito que seja importante entender o lugar das obras e auxiliar ao espectador que vai consumi-las.

Apesar dos meus problemas com o curta de Thiago Pombo, acredito que ele tenha seu lugar de apreciação. Infelizmente, da forma como eu o encontrei no Desver, Central tocaia se dilui em um contexto enfraquecedor.

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