Colar de Pérolas, o fim melancólico de uma relação conturbada
- Gabriel Reis

- 5 de nov.
- 3 min de leitura
Esta foi a segunda vez que assisti o curta-metragem Colar de Pérolas e posso dizer que me envolvi muito mais com a obra desta vez. Não sei se foi pela atenção redobrada que tive ao assistir ou por estar em um momento mental diferente de meses atrás, mas dessa vez o filme conseguiu me tocar profundamente e até me fez repensar algumas poucas ressalvas que eu tinha originalmente. O enredo da obra é ordinário e conta as últimas semanas de vida de Célia, que está sendo cuidada por sua filha Clarice - filha essa que contrapõem em demasia a visão de mundo de sua mãe por estar em um relacionamento homoafetivo.
A temática da homofobia em contraponto à relação de mãe e filha é o fio narrativo do filme, ela está presente em cada cena e sequência, seja de forma mais explícita, em diálogos breves entre as personagens, ou de forma estrutural, como na sequência em que Clarice ouve o rádio falando sobre a visão da igreja católica sobre o casamento LGBT enquanto lembra de frases preconceituosas de sua mãe, sempre utilizando de dogmas religiosos como pressuposto de suas falas. A direção de atores é sublime neste filme, construindo personagens bastante complexos e reais. É notável que Célia tem carinho por sua filha, mas também culpa por muita coisa, como a ausência de Gustavo, o irmão de Clarice, que não visita a mãe há muito tempo. Clarice ,por sua vez, expressa um cansaço extremo e há sempre muita solidão envolvendo a protagonista, seja em relação à sua mãe ou até na falta de comunicação com seu irmão. Seu único ponto de respiro é sua companheira, que se mantém oculta durante a maior parte do filme, dessa forma reforçando esse isolamento extremo que recai majoritariamente sobre os ombros das mulheres sempre que é preciso cuidar de parentes idosos.
Nesta obra os sentimentos são sentidos e reprimidos, não existe uma grande discussão ou um performático monólogo da protagonista, muito pelo contrário, tudo o que havia a ser dito entre Clarice e sua mãe já foi dito à muito tempo. Nós como espectadores estamos somente assistindo o fim de uma conturbada relação, como Clarice mesmo diz, quando indagada por sua mãe pelo motivo de ainda estar lá cuidando dela - Célia apesar de tudo, ainda é sua mãe. Essa escolha narrativa de tornar este o último diálogo das duas, reforça essa fria realidade presente em incontáveis lares brasileiros, e acredito que a forma crua que o filme decide abordar temáticas como solidão,preconceito e misoginia são pontos chave para a potência da obra.
Tenho sentimentos conflitantes pela cena final da obra, em que Clarice retorna para sua companheira. Inicialmente achava a cena um pouco “jogada” e sem muito propósito. Porém, após essa revisita acredito que é uma cena muito importante e definitivamente a obra não teria a mesma potência sem a adição da mesma. Toda a sequência denota um sentimento de libertação, simbolizado pelo colar de pérolas retirado do pescoço da protagonista. É um final triste e ao mesmo tempo muito bonito e emocionante. Ainda tenho certas ressalvas para com a forma com que esta sequência final é montada, acredito que a duração da mesma acaba perdendo um pouco o fôlego e criando uma barriga no momento mais importante da obra, o que tira um pouco a potência deste belo final.
Colar de Pérolas é um filme bastante corajoso e que consegue se diferenciar de tantas obras com a mesma temática pela forma sensível e crua com que lida com os diversos temas abordados.



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