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DESVER

FESTIVAL DE CINEMA 

UNIVERSITÁRIO

DE MATO GROSSO DO SUL

Foto do escritorLeonardo Andrade

As Velas do Monte Castelo e a necessidade do aconchego

Um pequeno corredor no fundo de uma casa ocupado com um varal de roupas e uma máquina lavadora. Uma aparente sensação de claustrofobia gradativamente situa em espaço e tempo um ambiente comum ao cidadão brasileiro. Em As Velas do Monte Castelo esse lugar é representado como uma área de serviço; o ambiente de trabalho de muitas pessoas do país. O trabalho para o brasileiro pode ser entendido, muitas vezes, como uma espécie de esgotamento pessoal. O cansaço e as preocupações laborais tomam conta do cotidiano e fazem o trabalhador se esquecer de suas responsabilidades com amigos ou família. No curta-metragem dirigido por Lanna Carvalho, essa representação decai sobre o personagem do pai que esquece de pagar a conta de luz da casa. A narrativa desenvolve sua linguagem a partir dessa declaração tímida que a diretora encontra para fazer um breve comentário a respeito da classe social inserida na obra. Uma pequena crítica que funciona como um artifício discursivo potente, submetendo as personagens às amarras capitalistas que desamparam as famílias. O filme discorre a respeito da identificação pelo comum, os pequenos prazeres da vida e os afazeres de um cotidiano ordinário. Os gritos do filho para a mãe reverberam no sentimento de nostalgia que perdura durante a minutagem do filme, tornando a obra familiar para quem assistir. A decupagem de longos planos e o uso do tempo ali empregado faz que a narrativa entre em conflito com a forma adotada pela diretora, sem se perder em sua abordagem com recursos não sustentados ou um ritmo afobado. Os planos duram o suficiente para construir nossa relação com os personagens.

Há um contraste linguístico entre palavras e imagens. Enquanto os planos progridem a narrativa do cansaço e do tempo ócio devido à falta de luz na casa, o texto indica uma certa sofreguidão para que as ações sejam feitas mais agilmente. Ao invés da família aproveitar uma pausa na correria do dia a dia e apenas aproveitar o tempo para si, há um aparente anseio para que o dia termine o mais rápido possível. A personagem da mãe parece estar com pressa o tempo todo. Pede que seu filho seja mais articulado na jogatina da família, ao passo que a decupagem exercita um trabalho que valoriza o tempo morto do filme. É um encaixe que funciona de forma muito particular, trazendo à tona uma sensação de conforto nos pequenos momentos da narrativa. A queda da luz por um descuido do pai inviabiliza que os indivíduos da casa possam cumprir a sua rotina da forma que gostariam, mas abre portas para que a família se reúna. De certa forma, isso me faz pensar nas vezes que precisamos que algo externo faça uma reviravolta na nossa rotina para que possamos parar apenas uns minutos e contemplar tudo que está ao nosso redor. Em As Velas do Monte Castelo, isso é mostrado como uma pausa. A falta de energia é o gatilho narrativo que a família precisa para que o espectador possa entrar na vida deles e acompanhar alguns momentos de seu dia.

A falta da luz remete ao momento íntimo da família. Para o espectador, a ausência de energia parece ser a condição ideal para que possamos ver as pequenas luzes de cada personagem e como elas interagem em suas relações. A pouca exposição dos planos encontra na decupagem uma ótima alternativa para um cinema que aprecia a baixa luz e incita o público a participar da sua cinematografia noturna. Assim, nós também nos sentamos à mesa para jogar dominó. A diretora nos leva a entrar na vida das personagens que habitam na casa e entender um pouco melhor os extratos de cada universo particular que ajudam a engrenagem da narrativa proposta funcionar. Assim, a funcionalidade da cinematografia afirma seu propósito e transmite um recebimento sensorial, mais que meramente visual. O desenvolvimento da decupagem, juntamente com o roteiro, me faz pensar como seria o filme se fosse um longa-metragem. Os planos que perduram na relação das personagens, sem mudar ângulos e mantendo a câmera estática, causam um desejo de continuar observando como a família interage entre si. Há uma simplicidade empregada na encenação e na forma que os personagens existem no espaço. Eles estão apenas dispostos no cenário, sentados e jogando. Eles não pulam, não dançam, sequer se mexem. O que nos é mostrado visualmente cria uma estrutura para que o som do filme exista e funcione como um quarto personagem. A existência do som fora de quadro auxilia a imagem existente no plano a se retroalimentar e delimitar o tempo necessário para que o espectador se sente à mesa e brinque com a família ou encoste à janela para ver as luzes da cidade noturna.

Por fim, As Velas do Monte Castelo é o dia de uma família que encontra através do tempo ocioso de uma conta de luz não paga a oportunidade para que o cinema exercite o seu “tempo morto”, mostrando suas maneiras de testemunhar ao público o íntimo de uma casa como a de qualquer um. É um filme que trabalha muito a linguagem visual e sonora, especialmente nas suas pausas. A imagem incorpora uma composição situacional, contando a história em recursos técnicos diretos e funcionais e transmitindo tudo aquilo que o espectador precisa compreender do filme. A conjuntura visual da obra se porta de modo acanhado, sustentando-se em nos mostrar como é a rotina de uma família, ou como ela seria, não fosse uma inconveniência. O som desempenha um papel em virtude da ausência da imagem, tornando sua presença oportuna devido à sua natureza fora do quadro. Sejam os gritos do filho e da mãe ou o barulho do automóvel do pai, a presença do som surge para suprir a escolha de não mostrar visualmente o que se espera. Para As Velas do Monte Castelo, é preciso pular um dia da rotina de assistir novela ou jogar com os amigos para encontrar a diversão e o conforto no ambiente do qual tanto esquecemos de primeiro buscar nossos passatempos.

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