Midríase, segundo o dicionário, significa “pupilas dilatadas, que podem ocorrer normalmente ou em resposta a um trauma físico, doença ou drogas”.
Midríase também é um filme, cuja concepção é definida pela equipe da seguinte forma: “O olho é a janela da alma? - Midríase é um filme que reflete sobre as primeiras descobertas da sexualidade e seu impacto na autopercepção de uma pessoa”.
Mas o que é Midríase, afinal?
A obra acompanha um protagonista sem nome, que vive em um mundo que nos é difícil conhecer. Há uma casa, cama, tudo no que parece um ambiente em suspenso, buscando desvendar a autopercepção sexual – como a obra nos traz sua apresentação. Elaborado fora de uma narrativa convencional, a começar pela proporção de tela que varia entre 16:9 e 4:3, a obra se propõe a ser um exercício sensorial, de difícil percepção acerca do tema que trata. Diante da temática acerca da sexualidade, a obra cria um mundo colorido e vibrante, com experiências abstratas, imergindo o telespectador em um ambiente incerto e de descobertas.
O mundo possui uma vibração de cor semelhante às obras que se valiam do Technicolor para materializar suas formas. O azul e vermelho bem delimitados em tela, assim como amarelo, apresentam esse ambiente abstrato de experiências solitárias onde o convívio da dupla – um novo personagem que aparece, mas não permanece muito tempo neste espaço – não parece florescer, visto também a dificuldade de manter a relação como o manter de uma flor viva, símbolo presente e que pode nos remeter à sensualidade. Uma intensidade que reflete a força de emoções a serem descobertas, em uma jornada de autodescoberta, visto que os símbolos estão muitas vezes atrelados à paixão e sexualidade.
Partindo deste ponto para desvendar as intenções da equipe criativa, podemos debater as experiências de descobertas da sexualidade como metáforas das vibrantes imagens em tela: seja do regar de flores que não crescem, ao regar de pessoas (relacionamentos?) que não seguem em frente, até mesmo experiências solitárias como estar diante de um bolo sem ninguém ao redor, ou o fervor de uma cama solitária. Uma luta dos personagens para encontrar um terreno fértil para suas relações, pois a descoberta da sexualidade muitas vezes está associada a experiências complexas e desafiadoras, levando em conta o ambiente e contexto da onde surge tal acontecimento.
Outra questão deste mundo abstrato de Midríase, é uma longeva comparação a um jardim de experiências não totalmente exploradas: o jardim do Éden. Se no conto bíblico, o local foi fruto do primeiro contato humano, assim como sua queda, aqui no curta-metragem temos um jardim abstrato repleto de maçãs (mordidas, claro) e dois seres que parecem não se entender. Um retorno a um paraíso imperfeito, onde a tentação e a incompreensão coexistem.
Mas parece ser um mundo pouco convidativo, talvez fruto de experiências que não representem totalmente um sentimento concreto de felicidade ou tristeza, algo também evidenciado pelo belo trabalho de design de som que evita trazer composições mais afáveis e busca mais o desconforto de ruídos, os mesclando com sons mais singelos apenas para retirá-los rapidamente.
Quando incluímos as imagens de fora desse eixo central, há questionamentos, como um coração em formato de joia, uma maçã isolada, o protagonista usando uma roupa alusiva a espíritos malignos, assim como o olho e uma casa distante, talvez lar dos nossos protagonistas. São elementos enigmáticos que desafiam a compreensão sobre uma possível busca pela pureza e pela verdade no âmbito da sexualidade, pois as imagens não seguem um enredo já conhecido, mas força a busca pelo entender. A maçã isolada pode simbolizar a tentação constante que acompanha essa jornada. A vestimenta do protagonista sugere a luta interna que muitos enfrentam ao explorar sua identidade sexual, enquanto o olho e a casa distante representam a busca por autenticidade e um lar verdadeiro.
Como obra, aproxima fronteiras entre cinema, psicologia e expressão visual. O diretor e a equipe criativa abordam um tema tão complexo e pessoal de uma maneira única. No entanto, essa abordagem pode não ressoar da melhor maneira emocionalmente, se tornando uma experiência que exige uma mente com disposição para a desconstrução. A narrativa fragmentada cria uma barreira de entrada e torna difícil uma conexão emocional mais profunda. A atmosfera desconfortável encontra nesse contraste entre riqueza de simbolismos e complexidade das imagens e sons sua força e fraqueza.
Como ponto de discussão e reflexão sobre a sexualidade e a jornada da autodescoberta, pode ser um ponto de partida de contínua discussão e luta, principalmente à luz de acontecimentos recentes que podem regredir algumas vitórias. À medida que a sociedade continua a evoluir e a expandir suas definições de identidade e orientação sexual, existe um papel em desafiar perspectivas, mas também oferecer obras de cunho não apenas pessoal, mas mais abrangente que possa emocionar fora de um lugar de apenas dor ou abstração.
Como desafio às convenções narrativas tradicionais, o convite a desvendar esse mundo abstrato e mergulhar nessas emoções intensas e reflexões profundas sobre a descoberta da sexualidade e a autopercepção, Midríase oferece uma experiência cinematográfica forte, que pode ficar abaixo em termos emocionais – ao menos para este espectador.
No seu desafio de explorar temas como a busca por conexão, a tentação e a busca por um lar, o estímulo de discussões sobre a experiência humana deixa uma marca mais forte quando se busca destrinchar os significados.
Midríase se destaca pelo seu caráter técnico, através do qual a abordagem visual com a paleta de cores vibrantes e o design de som meticuloso demonstram o comprometimento da equipe criativa em oferecer uma experiência sensorial única. Além disso, as metáforas visuais e a complexidade das imagens proporcionam uma base sólida para discussões profundas sobre a sexualidade e autodescoberta, mas com barreiras emocionais que exigem disposição para superá-las.
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