No curta Do Tanto de Telha no Mundo, dirigido por Bruno Brasileiro, acompanhamos um rapaz que retorna à sua pequena terra natal, Juatama, para ver sua mãe durante a Semana Santa. Com o passar dos dias, ele vai tomando coragem para revelar a ela que está de partida para Portugal. A trama, por si só, tem potencial. A carga dramática presente no tema é bastante forte. Entretanto, se olharmos apenas para a história, notaremos que ela, como todas as demais, já foi contada anteriormente de alguma outra forma. E é justamente para a questão formal que voltarei minha atenção. Adianto que a obra me comoveu bastante, e vou buscar entender como ela fez isso.
Logo após os créditos iniciais, as escolhas estéticas já começam a se evidenciar e a moldar o que será o filme. A mais chamativa delas para mim, de imediato, é a proporção de tela, que foge do atual padrão 16:9 e aposta no 4:3. Em um primeiro instante, a minha surpresa se dá pelo próprio emprego desse formato, com o qual, particularmente, tive pouco contato em obras audiovisuais até então. À medida que a projeção avança, porém, sinto que a razão de aspecto escolhida passa a me provocar um sentimento que se relaciona de fato com o tema do curta. Em outros casos, o quadro mais comprimido poderia transmitir certa claustrofobia, mas aqui ele colabora para a terna aproximação entre os personagens – e deles em relação a mim. É uma aproximação mais do que física, emocional.
Essa sensação ganha outra relevância ao lembrarmos que o filme foi gravado durante a pandemia, quando estar próximo era estar em risco. Diante desse traumático período de distanciamento compulsório, há uma beleza simbólica em ver os personagens assim, tão juntos em cena. Sobretudo esses personagens. Mãe e filho. Naturalmente, um dos elos mais fortes que há. Aqui, se trata não só de amor, mas também de semelhança. Ambos se sentam com um pé no chão e outro na mureta, possuem a mesma cor laranja em suas camisetas, compartilham o mesmo cigarro e escolhem as mesmas palavras durante a adedonha. O coração dos dois ainda está no sertão. As vivências que compartilham entre si constroem um pano de fundo para a história deles e também contribuem para minha identificação com eles.
No geral, o que senti assistindo a esse filme foi uma reconfortante serenidade. Certamente, a luz difusa, equilibrada, que abraça o espaço retratado pela narrativa, me conduz a isso. As cores vivas e suaves, com destaque para os tons macios de rosa, também. Os planos longos e estáticos, que em alguns momentos aludem à condição cristalizada de uma foto, para mim são pura paz de espírito, contemplativa, realçada pela sensível trilha. Por meio de elementos como esses, a forma faz com que essa história seja comovente, capaz de evocar um mar de lembranças e reflexões.
Toda a atmosfera do curta me remete aos saudosos monóculos de fotos. Daqueles que você guarda no bolso e leva até os confins do mundo. Daqueles com o retrato de uma pessoa amada, o qual você poderá conferir sempre que estiver completamente sozinho em sua viagem e não mais se sentir tão solitário assim. Pois ela estará lá, te esperando. Não importa há quantos dias, semanas, meses ou anos você esteja vagando, nunca esquecerá o rosto dela. Agora só consigo me lembrar do final de Central do Brasil. "Tenho saudade do meu pai. Tenho saudade de tudo". Eis aqui onde tudo converge: saudade. Tudo o que constitui Do Tanto de Telha no Mundo me transmite aproximação, que por sua vez me traz a esse ponto de tristeza alegre (ou alegria triste). Afinal, só há saudade se há proximidade. Coisas que passaram despercebidas por mim até então começam a ganhar maior significado. O contexto da Semana Santa, por exemplo, diz respeito ao retorno de alguém amado que partiu. Ok… agora posso estar um pouco eufórico e indo longe demais. Um indício claro do quanto a obra me estimulou.
Percorrendo esses trilhos da saudade, minhas divagações não teriam como não me levar, por fim, à antiga casa do meu avô. Tinha um quintal enorme e paredes amarelas, que já estavam desbotadas e descascadas. Certamente, suas cores já foram tão vivas quanto as do filme. Quando ele a construiu, era apenas a segunda moradia daquele bairro. Lá, eu e meus pais íamos quase todo domingo. Quando chegavamos, ele normalmente estava descansando no seu sofá bege. Nos contava suas histórias de jogador de futebol e feirante. Era apaixonado por futebol. Santista. Os futebolistas de hoje lhe causavam tédio, os de sua época eram muito melhores. O jogo, porém, só começava depois de um filme. Ele assistia, mas não gostava tanto. Hora ou outra, porém, as imagens em movimento o divertiam. Tocava violino com paixão. Jogava baralho com seus amigos. Apostava na Mega-Sena, com esperança de ganhar algo. Gostava de Silvio Santos. Não era muito fã de chocolate. Amava Butter Toffees. Foi e sempre será meu padrinho de Batismo. Jamais esquecerei do dia em que, após o jantar, quando o sol já havia se posto, levamos as cadeiras de fio para a varanda e ficamos sentados, só eu e ele, contemplando a vida.
Se esse curta é dedicado a todos que sentem saudade, então cá estou eu, na primeira fila.
Que leitura linda do filme, Kevin! O curta foi um dos meus favoritos da mostra e é muito bom ler algo tão cuidadoso e sensível sobre ele. ❤️