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DESVER

FESTIVAL DE CINEMA 

UNIVERSITÁRIO

DE MATO GROSSO DO SUL

  • Foto do escritorGiovane Alencar

Os Blocos Cinzas

Um documentário que trata sobre a reurbanização do vale do Anhangabaú, mas que para além disso traz implicações sobre o processo de transformação da cidade de São Paulo e de soterramento do organismo vivo mais essencial para os seres humanos. O filme se debruça sobre o rio Anhangabaú e os seus arredores, de uma maneira que nos coloca a questionar todo o processo que chamamos de “evolução”, onde se suprime a vida originaria e constrói-se o mundo cinza sobre seus ombros. Consideramos natural o crescimento vertical, mas esquecemos que a nossa fonte de combustível está abaixo dos nossos pés, achamos que podemos conter o poder do mais velho antepassado. O rio Anhangabaú se demonstra como o protagonista deste curta, criando laços com quem o descobrem, mostrando suas histórias e detalhes que o rodeiam.

Por meio da utilização de imagens de arquivo, o curta assume uma estética e ritmo mais lentos, porém não cansativo. A narração guia o caminho a se trilhar, mas as fotografias e sons são quase que autossuficientes pois carregam com si um alto teor simbólico e representativo. Por se tratar de uma obra sobre a reurbanização, são exibidos pontos de vistas diversos do vale e remonta-se como estes espaços ainda se relacionam com o seu passado. O local é carregado de significações importantes e o filme consegue trazer tal memoria ao espectador, fazendo com o que o mesmo se concentre em entender e repensar as ações de um povo colonizado se comportando como colonizador, ditando o leito que um rio deve percorrer.

O uso das imagens foi escolha inteligente para conseguir nos levar ao passado e também evocar acontecimentos em nosso imaginário. Diversas são as cenas em que o som complementa um retrato imóvel, dando a ele a vida necessária para expressar o tom dramático. Por exemplo, a montagem vai nos revelando vistas de um grande prédio, em um contra plongée - que coloca o edifício em evidencia - demonstrando a grandiosidade arquitetônica dessa montanha de concreto. No campo do áudio um pequeno ruído de fogo se inicia e vai se intensificando, causando uma sensação de confusão no espectador. Mas quando imagem e som estão embaraçados entra uma fotografia de arquivo que mostra o mesmo prédio, agora arrasado pelo fogo, tirando a fumaça que antes permeava nossa visão, fazendo enxergar o céu em chamas. Outra cena que explora o recurso de maneira interessante é quando estamos visualizando o topo do edifício e um movimento de tiltpara baixo se inicia. Neste momento há a sobreposição de uma figura em que um homem está caindo e, quando o movimento se encerra, há um ruído de impacto, representando a queda do rapaz mostrado.

Por meio de representações lúdicas, a fala do narrador sobre a morte se apresenta de maneira sutil, como o desaparecimento do rio. A forma como a morte é apresentada no documentário é de fácil entendimento mesmo sem precisar mostrar explicitamente os acontecimentos, fazendo isso de um modo que o espectador seja exposto à situação levemente e entenda seu valor. Além disso, a aparição das reportagens na tela é um grande complemento assertivo desta obra, pois, além de juntar tudo que estamos vendo, também é um importante meio de entendimento para as demais situações. Por exemplo, a câmera está gravando o viaduto em um grande contra plongée e, então, uma rosa pousa sobre a lente do equipamento. Logo em seguida uma notícia sobre a tentativa de suicídio de uma jovem naquele mesmo local, ou seja, por meio de escolhas inteligentes os criadores conseguiram montar um conjunto de significações que produzem um sentido maior.

Anhangabaú se demonstra como um filme de extrema excelência e que nos retorna a noções primitivas de nossa vida. O rio Anhangabaú continua sendo suprimido e esmagado, assim como as mortes que assombram este local por muitos anos. O documentário nos coloca a pensar sobre o processo de urbanização, sobre como o homem é capaz de tentar esconder algo que lhe é de tão importância: a vida – da água que continua correndo e das almas que continuam se esvaecendo. Mas o rio não se deixa engolir, de tempos em tempos nos lembra de seu verdadeiro poder, levando muitos de nós em sua correnteza forte e deixando para traz apenas os blocos cinzas.

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