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DESVER

FESTIVAL DE CINEMA 

UNIVERSITÁRIO

DE MATO GROSSO DO SUL

  • Foto do escritorMael Garnes

O CINEMA PODE

A frase “O Brasil será uma tragédia. Uma tragédia bem filmada, mas ainda assim uma tragédia”, aludida no início da obra e dita por João Moreira Salles, tem a função de iniciar diversas questões analisadas durante o curta-metragem. Um Documentário Brasileiro utiliza de imagens e vídeos de arquivos de manifestações políticas brasileiras ocorridas ao longo de diversos anos e, a partir de conversas entre seus idealizadores e convidados, debate acerca de seus contextos, além de abordar a relação da imprensa com esses movimentos como forma de discutir a respeito do “fazer documentário”.

Realizado em isolamento social devido à pandemia de Covid-19, o documentário em curta-metragem é responsável por criar um efetivo diálogo entre a necessidade do uso de chamadas de vídeo e a sua narrativa. A dinâmica envolvendo a conversa entre entrevistadores e entrevistados e a abordagem de diferentes pontos de vista durante a observação de protestos ausentes de contexto em ruas do Brasil é explicitamente retratada com a presença de gravações de interfaces de programas de teleconferências de vídeo, como o Zoom. Essas ferramentas e suas funções ganharam grande visibilidade por parte da população durante o período de quarentena, fazendo com que a apresentação dessas seja dispensada ao longo da obra, resultando em um ritmo constante. Além disso, esses recursos proporcionam aos idealizadores uma maneira mais acessível de contato com entrevistados e captação de imagens e áudio.

Logo em seu início, Isabella Ricchiero e Giovanni Saluotto, responsáveis pela direção, roteiro e montagem do curta, protagonizam uma cena em que, durante uma videochamada, conversam acerca da montagem do próprio documentário. O trecho introduz a metalinguagem presente em Um Documentário Brasileiro, retomada no decorrer da produção por meio de comentários relacionados à definição da palavra, às diferenças em comparação a outros conceitos e às condutas do documentarista. Então, ao retratar registros feitos ao longo da história do país, buscam também discutir sobre a questão da produção dessas imagens e a importância desse processo na validação dos movimentos realizados pelo povo brasileiro.

Concomitantemente, a abordagem do curta acerca da procura de grupos manifestantes pela reafirmação de seus protestos dentro da mídia utiliza de vídeos para ilustrar a influência de diferentes ideologias na transmissão de notícias pela imprensa. Esse fator é enfatizado com o uso de diferentes transmissões da CNN Brasil, em que, no Youtube, parte da entrevista com a ativista Luana Génot sobre as manifestações anti-racistas ocorridas na capital de São Paulo em 2020 é descartada, enquanto, tanto na plataforma, quanto na televisão, a magnitude de imagens de vidros quebrados é reforçada como “destruição” e outras palavras que aparentam desvalidar a motivação do ato social transmitido. Após isso, Isabella e Giovanni analisam filmagens de protestos contra Dilma Rousseff, comentando a existência de diversos cartazes anti-imprensa, mas que realizam tentativas de permanecerem enquadrados por câmeras.

Ademais, ao explorarem mídias com ações políticas da população sem tomarem consciência da época em que foram realizadas, abrem espaço a diversas reflexões a respeito das mudanças sofridas por essas. A análise da primeira manifestação selecionada cria divergências entre os entrevistados a respeito de sua data, sendo citados os anos de 2017, 2016, 2015 e 2014, equivocados ao tratarem de um protesto ocorrido no ano de 2013. Os signos visuais são ditos os responsáveis pela imprecisão e dificuldade na especificação do público ali presente, já que o grande uso das cores verde e amarelo e da bandeira do Brasil define atualmente manifestações a favor de Jair Bolsonaro e da direita política, mas que também eram vistos em 2013 em movimentos contra a PEC-37, que incluíam também pessoas da esquerda brasileira. Assim, a produção possibilita, para o telespectador ciente dessas mudanças, o surgimento de um debate acerca do processo político ocorrido ao longo dos anos que gerou a apropriação de símbolos para o uso da direita conservadora, assim como o seu apoio em grandes movimentos populares tendo em vista seu crescimento.

Em resumo, o fazer documentário no Brasil e o papel das imagens na validação de momentos históricos influentes para o estado político atual do país são os principais elementos que definem e enriquecem Um Documentário Brasileiro. Ao fim do curta-metragem, há a retomada da frase citada no início da obra, “O Brasil será uma tragédia. Uma tragédia bem filmada, mas ainda assim uma tragédia”, citada em um contexto em que na PUC-RJ apenas dois estudantes se formaram em matemática, enquanto trinta em cinema. Ao aludir a citação, os idealizadores do curta buscam contra-argumentar (embora julguem positivas as ações a favor do investimento científico do Instituto Serrapilheira, de João Moreira Salles, autor da frase) através de pensamentos debatidos ao longo da experiência do documentário. Em consequência do contexto político atual do Brasil, construído a partir de diversas das ideias transmitidas pelas mídias apresentadas na produção, é de suma relevância a menção e destaque feitos pela obra à importância da imagem para o processo educacional e transmissão de significados.

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