"O Ridículo", dirigido por Francenilton Klava, se destaca como uma sátira inteligente e bem-humorada do cenário político brasileiro atual. Ao se utilizar de personagens caricatos como "O Ridículo" e "O Falador", e criar movimentos fictícios como os “Ridicularistas”, possivelmente se referindo ao grupo conhecido como "Bolsonaristas", o filme constrói uma crítica afiada à forma superficial e ao fanatismo presentes em muitos discursos políticos atuais. Com uma abordagem cômica e provocativa, o diretor expõe, de forma exagerada e engraçada, o crescimento de movimentos conservadores bem conhecidos, que prometem 'salvar a pátria' e proteger os valores tradicionais da família brasileira. Esse tipo de narrativa, que soa tão familiar para o público nacional, é amplamente desconstruída e criticada ao longo do curta-metragem.
A crítica começa com os protagonistas O Ridículo e O Falador, dois jovens idealistas que parecem ter a missão de "salvar" o país com seu movimento inexistente, como se fossem os últimos defensores dos 'verdadeiros' valores nacionais. Contudo, à medida que o filme avança, percebemos que esses personagens são muito mais que simples caricaturas cômicas. O Ridículo representa uma figura autoritária, que impõe suas visões de forma rígida e inquestionável, enquanto O Falador, com sua falação incansável, se torna uma representação das figuras políticas que dominam o espaço público com discursos chamativos e excessivamente exagerados, mas sem muito aprofundamento ou contexto. O que inicialmente parece uma simples dinâmica cômica, entre um falador incessante e um líder rude que o silencia, rapidamente se revela como uma crítica ao modo como o poder é exercido em algumas esferas da política brasileira.
O Ridículo, que sempre interrompe O Falador de forma grosseira, nos lembra de figuras políticas que, por não conseguirem formular discursos coerentes ou que resistam ao filtro da crítica, recorrem à agressividade e à censura como forma de manter a ordem. Essa dinâmica entre os dois protagonistas é uma metáfora clara para muitos dos líderes políticos que se colocam no centro das atenções ao mesmo tempo que tentam silenciar qualquer voz que tente se sobressair. A insistência em calar o companheiro, mesmo sendo aliados, reflete os conflitos internos de movimentos autoritários, nos quais até aqueles que estão do mesmo lado se veem forçados a seguir a ordem estabelecida pelo líder mais autoritário, sob o risco de serem marginalizados ou até mesmo, silenciados.
A inserção do movimento fictício 'Ridicularistas' eleva essa crítica, pois faz uma clara referência a movimentos políticos reais que, sob a bandeira de salvar a nação e proteger os valores conservadores, acabam promovendo a divisão e o fanatismo. Klava utiliza essa figura de linguagem para brincar com o extremismo político e expor a adesão cega de seguidores que parecem não questionar as verdadeiras intenções por trás de tais movimentos. É impossível assistir ao filme sem ligar os pontos com eventos e personagens da política recente do Brasil, o que faz de "O Ridículo" uma obra de ficção relevante e pontualmente crítica ao nosso tempo.
Além dos personagens, outro ponto de destaque é o uso do formato de documentário simulado, que dá ao filme um ar de autenticidade e proximidade com a realidade. Klava é sábio em misturar cenas ficcionais com trechos de podcasts e reportagens fictícias, que se assemelham ao real, criando um ambiente que nos faz questionar o que é encenação e o que é real. A sensação de que estamos assistindo a algo documentado, mesmo sabendo que é encenado, é parte da genialidade do filme. Essa escolha narrativa coloca o espectador em uma posição de desconforto, uma vez que estamos acostumados com os formatos dos documentários atuais. Porém, é fácil perceber a linha que separa a realidade da ficção, pois é tudo muito escancarado. Entretanto, isso nos leva a refletir sobre a própria construção da narrativa política nas mídias tradicionais e digitais, em que o que é mostrado ao público frequentemente se mistura com interesses particulares, manipulando o entendimento do público sobre os fatos. Esse uso criativo do formato de documentário também serve como um espelho da realidade política, na qual a manipulação da verdade e o controle do discurso são temas recorrentes.
Ao apresentar O Ridículo e seus ideais de forma semelhante a líderes reais, o filme provoca uma reflexão sobre como o discurso político é construído e vendido para as massas. Assim como no curta-metragem, em que O Ridículo impõe sua visão de forma arbitrária e incontestável, muitos líderes utilizam estratégias de manipulação midiática para controlar a narrativa e eliminar qualquer tipo de questionamento. Uma das figuras políticas que aparece na obra é o "Bolsonaro", o personagem que surge quase no final do curta é uma citação bem clara e direta.
"Bolsonaro" vai além de apenas uma referência boba, mas ele também traz consigo cenas que representam o ato de restringir a liberdade de expressão e limitar o debate público, como quando o personagem "Bolsonaro" faz um ataque direto aos "Ridicularistas". Ao utilizar essa imagem, Klava nos convida a pensar nos períodos em que o país viu líderes tentando impor sua visão de mundo, ao mesmo tempo em que restringiam a voz da oposição e da imprensa.
Outro ponto a ser observado é a ousadia do filme em atacar diretamente um partido político específico e instigar uma intriga entre os seguidores do antigo presidente. É relativamente comum ver um curta-metragem brasileiro que se posicione de forma tão clara e incisiva em relação à política nacional, mas ainda assim, é um cenário em que muitos cineastas preferem evitar o confronto direto com figuras e partidos políticos. Klava, no entanto, vai além das piadas fáceis e utiliza o humor para fazer uma crítica social séria e bem fundamentada, se diferenciando das demais por sua forma exagerada de comentar e trabalhar sobre os movimentos políticos, as figuras públicas e os acontecimentos reais. A obra traz à tona questões sobre liberdade, controle e alienação política.
"O Ridículo" não é apenas uma sátira cômica, mesmo esse sendo seu ponto principal; é uma obra que provoca reflexão sobre as dinâmicas de poder e a manipulação da opinião pública. Francenilton Klava consegue, de maneira habilidosa, mesclar humor e crítica política, criando um filme que diverte e, ao mesmo tempo, provoca o espectador a olhar mais de perto para o que está acontecendo ao seu redor. Ao finalizar o curta, fica uma sensação incômoda de que, embora estejamos rindo da ficção, ela não está tão distante da realidade quanto gostaríamos de acreditar. O filme é um alerta disfarçado de comédia, que mostra que o absurdo, muitas vezes, já faz parte do nosso cotidiano.
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