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DESVER

FESTIVAL DE CINEMA 

UNIVERSITÁRIO

DE MATO GROSSO DO SUL

  • Foto do escritorGiulia de Sousa Sovernigo

Tragédia Contemporânea: aparições, acusações e vinganças

Em uma história que me remete à tragédia shakesperiana Hamlet, nos deparamos com o enigmático encontro entre uma criança e seu falecido pai através de um poço dos desejos. Fábio, interpretado por Vinicius Pieri, passa a encontrar o Espectro (Alexandre Cappelli) – que descobrimos ser de seu pai – na floresta após desejar vê-lo outra vez, tornando-se obcecado por saber o porquê de seus encontros não durarem, o que na verdade torna-se apenas um disfarce para a pergunta principal que ele quer fazer: por que o pai não está mais com ele?

Detalhismo e atenciosidade. Essas são as palavras que definem o caráter técnico de Espectro dos diretores Thiago Rosestolato e Raul Paiva Mello. Desde o som de respiração chorosa, até as moedas caindo no fundo de um poço, a sonoplastia da obra é extremamente rica, dando uma polidez suntuosa ao projeto, o que muitas vezes é deixada de lado. A composição de cenário não fica atrás desse departamento, pois cada momento é extremamente bem pensado: o ângulo, o que aparecerá em tela e o que ficará de fora, tudo para que seja experienciado ao máximo o ponto de vista do protagonista, e não de outros personagens. Dá-se uma pessoalidade, como se guiasse minha opinião sobre os acontecimentos, dizendo quem devia apoiar, como se eu estivesse no lugar de Fábio, o protagonista.

Em cenas como a primeira aparição da mãe (Mariana Mello) e de Anderson (Fábio Santiago), é perceptível o enfoque da câmera no garoto que se nega a comer. Mesmo que ele fique no canto do quadro, deixando à vista sua mãe e dando o mínimo de visibilidade ao parceiro de Conceição, a quem a criança aparenta não gostar, como quem diz: o filme é sobre FÁBIO, assuma a sua história. Anderson é apenas uma parte sem importância da vida do garoto, como algo que, para ele, deve ser visto apenas de canto de olho, não merece ser o foco. Ou, ao menos, até os momentos em que o garoto precisa de Anderson para trocar o dinheiro ou levá-lo ao poço.

Uma das cenas mais duais da obra se encontra no momento em que Conceição, a mãe, é acusada pelo próprio filho de ter cometido um assassinato marital e esta grita com o filho, alegando que o protegeu de muita coisa, que abandonou sua própria vida para cuidar da dele para que agora ele venha acusá-la de algo assim. A dualidade que vejo deriva-se da falta de negativa em relação ao assassinato, e há apenas defesas. Abre-se mais uma vez para a interpretação do público na cena final, em que a mulher é vista no abraço de seu companheiro, como se ele a protegesse. Seria um sacrifício dele por ela? É ele quem seria o culpado do assassinato? Teria Fábio matado o pai e a mãe o protegido em uma história similar a Volver, de Pedro Almodóvar? Quem sabe o pai nunca tenha sido assassinado? Nunca saberemos.

As respostas não são dadas ao espectador, e por isso minha associação à peça do teatro elizabetano nada mais é do que uma suposição na tentativa de entender melhor o que se passa por trás da história. O fantasma de um pai falecido, uma acusação de assassinato e, enfim, uma “vingança” são os fatores que causam essa proximidade entre as duas obras, dando um quê de tragédia na contemporaneidade. Afinal, Fábio estaria ficando louco ou as aparições de seu pai eram reais? Não dá para se ter certeza, assim como em Hamlet - onde até hoje há quem diga que o fantasma do pai não teria aparecido e a dramaturgia era na verdade sobre um jovem príncipe enlouquecendo - , mas é necessário despir-se de todas as suas noções de certo e errado e assimilar o real da obra como seu para se ter uma experiência plena do que se está passando.

Gostei muito da obra por diversos fatores: o suspense que se desenha; a sensação de sua complexidadeque finaliza com um gostinho de quero mais; a ânsia por respostas; e até um pensamento de “quando sai a continuação?” foi o que me acometeu quando subiram os créditos.

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