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DESVER

FESTIVAL DE CINEMA 

UNIVERSITÁRIO

DE MATO GROSSO DO SUL

  • Foto do escritorEsdras Dürks

O bar dos seus sonhos e o bar da minha memória

A Última Noite no Bar dos Sonhos, de Diana Seelaender e Gabriel Figueira, trata o fim como apenas um dia normal. Nesse curta de 7 minutos, o lúdico permeia o aspecto lúcido e o filme acerta pontualmente em decisões que tornam seu final belo.

Um jovem senta em uma mesa de bar e começa a conversar com um velho que está na mesa próxima e os dois têm um diálogo que é breve, mas parece carregado de significado. Isso tudo enquanto é anunciado na televisão e no rádio que um iminente apocalipse está pra acontecer.

A simplicidade com que o filme começa a moldar o espaço para entrar aos poucos em um campo dos sonhos, é de certa maneira bem lynchiana, pois utiliza de elementos cênicos e da ambientação para me colocar dentro do transe no espaço tempo em que aquele bar se encontra. Logo de cara, a fotografia usa um contraste entre uma luz verde e uma luz vermelha, em um cubículo apertado, onde não se tem noção do que existe ali fora do quadro. Tudo parece meticulosamente colocado no lugar certo para construir um lugar imaginário. É óbvio que aqui é tudo encenado e construído, mas pra mim o filme faz isso crível em seu mundo inconfundível, com vários objetos de cena que me remetem a bares reais, com um toque de artificialidade. Isso me traz uma estranha mistura de nostalgia, de bares em vários bairros que eu observava nas cidades onde morei na minha infância, que traz esse lugar da lembrança, junto de uma carga forte de maneirismo, das convenções que eu já vi algumas vezes sendo usadas assim no cinema.

Pois o uso de cores vivas e bem marcadas na luz, como em Cidade dos Sonhos, de David Lynch, filme em que o aspecto lúdico é trazido pelo banho de cores coloridas, é muito usado para levar a este lugar fantástico e do que está no campo do artificial. O uso estratégico da cor, presente sobretudo no vermelho que quase salta da tela e banha o personagem no estilo giallo, me traz a sensação de algo plástico, mas ao mesmo tempo aconchegante, em sua composição mais quente. É como se a luz fosse pensada para estar batendo ali (o que não deixa de ser verdade) e a artificialidade na construção da cenografia me conduzisse a um lugar construído especificamente dentro daquele cubículo. Tanto é que as informações transmitidas pelo rádio sobre o fim do mundo não afetam em nada o que está acontecendo naquele espaço e tempo, uma vez que os personagens não ligam pra destruição do mundo. Isso faz com que eu não dê credibilidade ao dispositivo do rádio, e na verdade não importa, pois se os personagens não se importam, por que eu deveria?

Diferentemente do curta “Moscas Mortas”, o filme do bar dos sonhos sabe usar da dimensão sonora para agregar aos aspectos lúdicos espaciais. Os efeitos sonoros me geram a dúvida de se o que se passa ali está na mente do personagem ou em uma outra dimensão fantástica e, além disso, os figurantes reagem de uma maneira muito natural. Essa dualidade entre naturalismo e maneirismo, um lugar que existe e parece íntimo pra mim, mas que é representado imageticamente, de maneira mais surreal, se torna muito equilibrada em sua execução, com um show de luzes coloridas e com uma construção de cena que me transmitem a ideia de um artificial, como se fosse uma questão a ser resolvida: um bar que eu nunca conheci, mas que eu já vi nos meus sonhos. O filme me parece saber muito bem o que está fazendo com essa cenografia e fotografia, e estava certo do que queria resgatar no meu imaginário enquanto eu assistia.

A interação dos dois personagens é decupada sem muitos cortes, o que me induz ao cotidiano. Parece um diálogo rotineiro e, em um dia que supostamente não deveria ser normal. Essa vinda a um cotidiano, mais associada à apatia frente a um mundo que eu nem tenho certeza se é real (e no final isso de menos importa) serve como um dispositivo para o entendimento da percepção do personagem mediante seu momento no bar, onde aos poucos ele saí de uma dimensão lúcida, de um bar que ele frequenta todos os dias, para um mesmo bar que não é igual em nada ou em quase tudo ao que ele vê no dia. O lugar é igual, mas as pessoas, as conversas e a música não se igualam ao que ele vivia.

A decupagem já me prende nos primeiros segundos. A calma com a qual a câmera se aproxima da ação é muito singela, mas me gera um sentimento de cotidiano com um olhar micro, daquilo que pode passar despercebido enquanto sentado em uma mesa de bar com os amigos, da solidão que o outro ali enfrenta. O que me encanta é essa perspectiva de poder admirar com calma o que pra mim seria um lugar tão caótico. Por que a câmera não está interessada no que está fora do quadro? O que há de tão interessante em um diálogo de bar que dura 6 minutos? Por que eles não estão nem aí pro apocalipse? Não encontro respostas nos diálogos, mas sim na linguagem, ao mostrar que ali naquele espaço eles não têm nada demais. Mesmo que esse seja o bar dos sonhos do personagem no final, ele é apenas uma pessoa comum, sem profundidade e com uma história em branco, e o que carrega toda essa história e profundidade é o espaço, não só um bar, mas a representação de todos aos bares por aí e o tanto de histórias que estes espaços já presenciaram. Os símbolos presentes no bar (o rádio, os anúncios, as bebidas e as mesas de cadeira) me remetem ao que eu já vi e me trazem uma certa emotividade ao pensar o quão representativo ele pode ser, e me levar a lugares muito distantes.

Esse curta me mostra que o cinema não precisa ser sobre algo e ter uma mensagem. O final não tem que ser explicado ou ter um sentido lógico na narrativa. Não importa a estória criada. O cinema vem pela imagem, o que as cores geram e nos fazem sentir, a ambientação sonora como ela se liga com o que não está no quadro, a mise-en-scene, a composição e o movimento lento da câmera que evita os cortes. Cinema é puramente sentimento. Se a câmera é entendida como o olho, o corte é como uma piscada, e nesse filme a câmera, que também me empresta o seu olhar, parece não querer perder a ação que passa em sua frente e tudo o que ela pode significar, sua lentidão pode ser entendida como o interesse e a concentração em saber o que pode acontecer em seguida. É a construção de um bar dos sonhos, não no sentido um bar ideal, mas sim do que pode vir a ser um espaço da lembrança, que está na minha cabeça e da do personagem, guardada com carinho, onde o espaço foi construído com precisão em seus elementos de cena. As cores me abraçam, me trazem um sentimento de nostalgia, uma memória. O vermelho tão terno, uma cor quente que já me aconchega e traz à tona tantas memórias do passado em menos de um minuto de duração, um aspecto fantástico que está entre o lúcido e o lúdico, entra a memória vivida e o sonho, tudo isso é simplesmente lindo de ver e se conectar.

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