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DESVER

FESTIVAL DE CINEMA 

UNIVERSITÁRIO

DE MATO GROSSO DO SUL

Foto do escritorThiago Gil

Entre risos e lamentos à beira do esquecimento

Apesar de saber que "Cadê o mamulengo que tava aqui?" é um falso documentário, a priori pensei que as entrevistas iriam se concentrar nos manipuladores dos bonecos ou talvez em estudiosos da cultura popular, pensamento reforçado pelo fato do documentário explicitar que conversaria com alguém da área, entretanto, fui pego de surpresa quando a entrevista começou e o Mamulengo em si era o entrevistado. Os artistas entrevistados, ou melhor, os mamulengos entrevistados, falam com tanta convicção sobre suas experiências e visões sobre os recentes desaparecimentos de diversos mamulengos pela cidade que, por momentos, me esqueço de que estou diante de bonecos de madeira que, apesar de serem claramente fictícios e satíricos, acabam ganhando uma surpreendente autenticidade ao longo da narrativa.

A ironia do filme é algo que me cativa: ao literalmente dar voz aos Mamulengos, ele revela o quanto esse movimento cultural está sendo silenciado. Os mamulengos, que outrora foram figuras vibrantes e de destaque nas festas e no imaginário popular de Aracaju, agora são relegados à margem, sendo silenciados e soterrados. No começo, o humor dos bonecos me arrancou boas risadas, mas logo comecei a sentir uma melancolia por trás de cada fala, um lamento pela perda de relevância e espaço na cultura contemporânea. Eles não apenas respondem ao entrevistador; lamentam a perda de seu espaço, tempo e relevância.

A figura de Maritê, a mamulenga fotógrafa, me provoca uma reflexão profunda sobre o valor das diversas formas de expressão artística. Sua atitude de desdém em relação às queixas dos mamulengos não é apenas desconcertante; ela revela uma crítica incisiva à hierarquização das manifestações culturais. Ao rotular as preocupações dos demais mamulengos como "mimimi", Maritê não apenas desmerece suas lutas, mas perpetua a marginalização das tradições populares em favor de formas de arte consideradas mais "legítimas", como a fotografia.

Essa relação me inquieta profundamente, pois expõe um preconceito profundamente enraizado que desvaloriza a riqueza e a profundidade das expressões culturais que não se alinham com os padrões dominantes consideradas como mais “sofisticadas”. As artes populares, tão intrinsecamente ligadas à identidade e à história das comunidades, enfrentam um desafio constante para serem reconhecidas e legitimadas em um cenário onde muitas vezes são vistas como inferiores e sem relevância. É doloroso perceber que, mesmo no universo artístico, ainda há uma luta incessante para que todas as vozes sejam ouvidas e respeitadas de forma igual. Assim dispondo que essa luta dos mamulengos não é apenas sobre arte; é sobre a dignidade e a validade das histórias que essas vozes carregam.

No entanto, o que inicialmente me engajava no filme começou a parecer repetitivo. As entrevistas — que no começo carregam toda a força do filme — me parecem perder o fôlego. Elas inicialmente me arrancaram risos e reflexões, mas começaram a parecer mecânicas, se tornando ecoantes em um fio narrativo sobre a denúncia do cerne do filme. Sinto que ao invés de explorar novas dimensões desse artifício, o filme passa a depender demais do humor e dos trejeitos caricatos dos bonecos para carregar a trama, sem entregar outras subversões dessa abordagem de forma que me engaje no filme.

Apesar disso, o filme tem uma virada nos momentos finais que, felizmente, resgata parte da força que eu estava sentindo falta. O clímax emocional do filme chega com o depoimento de Dona Dercy durante as festividades de aniversário da cidade de Aracaju. O apelo dela por reconhecimento e atenção à cultura popular me soou poderoso e tocante. Ao clamar para que a população ouça o que os Mamulengos têm a dizer, Dona Dercy traz à tona a tristeza de uma tradição que, embora rica e vibrante, enfrenta o risco de ser apagada por completo. Após o apelo de Dona Dercy, mamulengos são retirados de suas posições de simples entrevistados e me levam para as ruas de Aracaju — o espaço onde eles realmente pertencem. Aqui, o filme me dispõe o espírito performático do teatro de bonecos, e é nesse momento que ‘Cadê o mamulengo que tava aqui” me reconquista e a crítica ao esquecimento das tradições populares, que havia se tornado um tanto monótona no meio do filme, volta a ganhar vigor.

O peso emocional desse momento é inegável, mas também é trágico, pois são apresentados como uma atração, um produto a ser consumido, mas sem o devido respeito pela sua profundidade e pelo significado que tem para a comunidade local tal como Arquimedes Paladares – mamulengo que representa o poder público e a prefeitura – comentou. É como se a força artística e cultural dos Mamulengos, em sua essência, só fosse vista como relevante quando podem atrair a atenção de quem está de fora, enquanto suas histórias, lutas e vivências são relegadas ao esquecimento em tempos não comemorativos. Esse contraste entre a solenidade das celebrações e a dor dos que foram silenciados confere um tom agridoce para o filme, que ecoa além das telas, como um grito por justiça e reconhecimento.

Enfim, "Cadê o mamulengo que tava aqui?" Me oferece uma forma de denúncia que, apesar de abordar temas críticos e complexos, desvia de exibir uma melancolia maçante. Com sua abordagem irônica e satírica, nos lembra que esse enfrentamento pode ser tratado com uma alegria subversiva, revelando as contradições do esquecimento cultural de maneira bem humorada com seus personagens espirituosos e falas cômicas. Ao final, o filme não só constrói uma crítica, mas uma celebração: a resistência da cultura, contada com a leveza de quem sabe que, apesar das perdas, sempre haverá uma esperança que se recusa a ser silenciada — e que essa luta, ao invés de ser triste, pode ser travada com uma alegria.

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