Admito que me encontrei ficando mais emocionado do que imaginava com a forma na qual este curta metragem explora o tema da nostalgia e infância. Dona Biu consiste em um relato da narradora sobre uma peculiar senhora que morava perto de sua casa e fornecia serviços religiosos para sua família. Por meio de uma narração de tom caloroso e nostálgico conseguimos conhecer um pouco mais sobre Biu através das lentes pertencentes às lembranças de uma criança.
O filme apresenta essa visão infantil através da simplicidade de suas escolhas linguísticas com qual constrói a persona da doce senhora, começando com a trilha sonora composta de uma viola acalentadora, o uso de traços “simples” que assemelha desenhos feitos com giz de cera, assim tendo semelhanças características de um desenho animado combinado com uma paleta de cores colorida e vibrante. Todos os elementos combinados nesta animação funcionam com o intuito de construir um ideal imagético correspondente a uma querida memória de infância.
Uma escolha essencial para ajudar a estabelecer o clima inocente e nostálgico do filme é com certeza sua animação em 2D. Seu uso de traço e animação me evocou aquelas manhãs de sábado em que sentava no sofá em frente à televisão para assistir desenhos. A decisão de produzir este curta no formato de desenho animado contribui muito bem tanto para sua identidade visual sendo mais leve e infantil quanto para a ideia de lembranças de infância se tornando versões “simplificadas” de uma situação real. Quanto mais distantes vão se tornando nossas memórias, mais vamos esquecendo de detalhes ínfimos sobre certas situações, e cada vez mais vemos em nossa mente, pessoas se tornando personagens caricatos e muitas vezes responsáveis por se tornarem representações corpóreas de certos sentimentos. Um momento no filme que exacerba isso é quando a narradora diz: “Na minha cabeça infantil ela estava sempre com a mesma roupa”. Me agradou muito a forma simples com que o filme fala brevemente sobre essas questões de lembrança.
Assistindo o filme me vi sendo tomado por lembranças e sentimentos atrelados a minha infância no interior de São Paulo, em que um senhor chamado Seu Emiliano morava na rua paralela a casa de meus pais embaixo de uma gigantesca mangueira. Pela primeira vez notei que assim como a narradora do filme, também não consigo lembrar de Seu Emiliano com roupas diferentes de sua saudosa camisa polo verde clara e seu shorts cáqui. Fiquei extremamente emocionado com a forma com qual o filme também me convidou a relembrar de personagens interessantes de meu próprio passado que já não parava para pensar há muitos anos.
Retornando ao filme em si, gostei da escolha estilística de somente mostrar o rosto caloroso de Dona Biu logo ao final do filme, quando a narradora já se encontra com muita emoção em sua voz. Uma das coisas mais dolorosas de uma antiga lembrança é o fato de aos poucos irmos esquecendo certos detalhes sobre pessoas importantes para nós, sua voz, seu cheiro, seu sorriso e até que infelizmente seus rostos. A decisão de mostrar ao espectador breves relances dos olhos, pernas e cabelos da protagonista ao mesmo tempo que apresenta sua casa com todos seus minuciosos detalhes sendo lentamente construídos diante de nossos olhos, junto com uma narração que vai se tornando, cada vez mais, carregada e recheada de nostalgia e sentimento conforme o filme prossegue, me fez sentir como se estivesse junto da narradora, tentando aos poucos reconstruir o cenário de uma antiga e querida lembrança da infância.
Ao chegarmos no plano final da obra mostrando finalmente o rosto completo de Dona Biu, o filme concentra sua visão no olhar terno da mulher e seu acalentador sorriso, assim me proporcionando um momento muito emocionante e catártico que não achei ser possível acontecer com tanta potência em um filme de somente 4 minutos.
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