No curta “Insânia de uma consciência ou: A fútil história de um fantasma” produzido por um grupo de jovens do Instituto Federal de Brasília - Campus Recanto das Emas, somos apresentados a um fantasma pensativo que vagueia entre a vida e a morte, perdido em devaneios existenciais. A premissa intrigante me joga diante de uma das questões mais recorrentes e universais: como seria lidar com o pós-vida?
Logo de início, as escolhas da produção já começam a se evidenciar e me dizer claramente que o curta não irá se preocupar com o realismo. Presumo, a priori, por causa das limitações estéticas devido à natureza de sua produção. A trilha sonora, embalada por bossa nova e jazz, me gera um conforto mediante ao tema naturalmente sombrio, o que suaviza a seriedade da temática e dá até um tom mais brincalhão para o fantasma enquanto ele perambula pela instituição. Fantasma esse que já é representado de maneira estereotipada, com um lençol branco e dois círculos desenhados como olhos, o que contribui para o tom lúdico, quase cômico do filme.
Ao acompanhar o fantasma e suas indagações sobre seu estado, acho interessante como a mise-en-scène do curta constroi o isolamento pelo ponto de vista do personagem. A escolha dos enquadramentos enquanto ele "assombra" os corredores da escola o dispõem levemente fora do ponto focal da composição, o que deixa o foco em alguém que ele observa. Assim, ele está presente no limiar do foco da composição do mesmo jeito que se encontra no limiar entre a vida e a morte. No entanto, em alguns momentos, sinto que o curta se estende além do necessário, o que sim, pode ser uma escolha deliberada para transmitir a monotonia da existência do protagonista. Talvez pelo fato de a trama ser calcada pela narração do fantasma, a obra busque um espaçamento mais significativo entre os grandes momentos de reflexão para que o filme não fique tão maçante, mas ao assistir, essa decisão cria algumas instâncias em que me encontro disperso, principalmente em sequências que parecem se alongar um pouco.
Um dos pontos que mais me chama a atenção no curta é a forma como ele introduz, mas rapidamente descarta, uma possível subtrama sobre a misteriosa origem do fantasma. Ao me fisgar com a promessa de uma explicação, o filme subverte minha expectativa ao descartar rapidamente qualquer investigação sobre o passado do fantasma, rejeitando-o de maneira quase indiferente. A busca por sentido, que em outras histórias seria o foco central da trama, aqui é deliberadamente desvalorizada, reforçando a temática e abraçando o vazio e a incerteza do filme como elementos centrais de sua narrativa.
No meio do filme, a narrativa ganha uma boa força, especialmente em uma cena em que o fantasma se depara com a futilidade de sua própria não-existência. O devaneio do fantasma sobre sua própria existência, ou melhor, a futilidade de sua não-existência me prende e me joga na indagação como se eu fosse o próprio fantasma. Apesar de aparentar ter entrado em termos com o fato de não ser visto por ninguém, o fantasma revela sua vulnerabilidade ao perceber que é observado pela figura recorrente de Sr. Estranho e tenta alcançá-lo, porém sem sucesso. Nesse momento, o fantasma fraqueja e expressa um desejo de ser percebido, uma angústia por algo além do seu estado eterno, algo que talvez dê algum sentido à sua existência em estado atual. Para mim, o filme atinge seu ápice nessa cena ao capturar a tensão entre a aceitação da morte e o anseio pela vida, o dilema que, paradoxalmente, me mostra o fantasma mais vivo em suas inquietações do que muitos dos realmente vivos — eu incluso.
Quando a cena final se inicia, ela chega de forma um tanto ‘morna’ e anticlimática, isso pode ser atribuído à forte carga de tensão da cena que a antecede — aquela que abordei no último parágrafo. Nessa cena, o fantasma parece finalmente aceitar a sua condição. Desfecho que inicialmente vi como anticlimático, na verdade carrega a força do filme: é justamente ao abandonar a necessidade de explicação que o fantasma se liberta, compreendendo que a busca por significado é, em si, uma forma de prisão. Aqui o curta vira o jogo e me põe em xeque, em vez de me oferecer uma resposta final ou um fechamento convencional, ele me provoca a abandonar a busca de significados profundos da obra e de todas as suas escolhas e me convida para a experiência de simplesmente assistir ao filme. Essa aceitação sucinta, paradoxalmente, me diz mais do que qualquer resposta definitiva poderia proporcionar.
A verdadeira liberdade, como a trama desenrola para mim, está na aceitação dessa ‘futilidade’, na compreensão de que não precisamos amarrar nossas existências a um propósito pré-determinado. Isso me recorda de uma frase de Clarice Lispector, "A verdadeira incomensurabilidade é o nada que não tem barreiras e é onde uma pessoa pode espraiar seu pensar-sentir”. A busca pelo sentido se torna uma barreira para que possamos simplesmente viver e sentir o presente, o que ironicamente acaba nos distanciando da própria essência das coisas. Tanto que devo admitir que depois de ter essa epifania, cheguei a reescrever partes de minha crítica onde fiquei preso nessa busca por sentidos de certas escolhas do filme e fico com a dúvida incessante de se perdi algo à mais do filme ao ingressar em uma busca mecânica por significados.
O curta provoca uma reflexão ainda mais intensa em mim por conta da minha própria experiência com o cinema na área da educação. Atualmente, como parte do meu TCC, estou conduzindo oficinas para estudantes de ensino médio dessa mesma faixa etária, em que grupos produzem curtas juntos. Essa experiência de acompanhar jovens em suas primeiras incursões no universo cinematográfico, assim como eu fiz há sete anos ao criar meu próprio curta no ensino médio, cria em mim uma ponte emocional e criativa com o presente filme, que me faz conseguir apreciar ainda mais a sua profundidade e coragem de enfrentar questões tão complexas em um projeto realizado em âmbito escolar. Sendo assim, ouso cogitar que talvez esses jovens também almejassem produzir algo mais tecnicamente sofisticado, mas talvez isso tornasse o filme algo ‘fútil’ demais.
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